DECATUR, EUA – Quem atua no agronegócio brasileiro está acostumado com o trânsito que se forma para a entrada da Agrishow, realizada em Ribeirão Preto, São Paulo. Todos os anos, a fila de carros na rodovia é assunto na maior feira agrícola da América Latina. Não é isso que acontece nos arredores da Farm Progress Show, a maior dos Estados Unidos, na cidade de Decatur, no estado de Illinois.
O trânsito organizado nos arredores da universidade pública Richland Community College, onde é realizado o evento este ano, é o oposto do que se vê nas ruas da feira. Há tráfego de carrinhos de golfe, no estilo americano, conduzidos por produtores mais velhos que a média do público no Brasil.
A cena vai ao encontro da discussão do setor sobre o fator etário e a dificuldade de sucessão familiar nos Estados Unidos. Não por coincidência, o interesse por máquinas autônomas no campo tem aumentado.
Oportunidade de mercado vivenciada pela empresa brasileira Solinftec, empresa de inteligência artificial desenvolvedora de robôs para a agricultura de precisão — nome dado a técnicas de manejo da lavoura que viabilizem a aplicação de produtos ou plantio de sementes de forma precisa.
“No Brasil, o produtor precisa se reinventar pelo desafio do tamanho de área, enquanto nos Estados Unidos o desafio é a mão de obra escassa, com uma população envelhecida no campo”, diz Emerson Crepaldi, chefe de operações da Solinftec na América do Sul.
Seja por este ou por aquele motivo, o robô tem adesão no campo.
A máquina não tem o estereótipo de um ciborgue humano, mas se encaixa nas necessidades de quem procura um ‘funcionário’ para agricultura de precisão, só que 100% autônomo. Capaz de trabalhar por toda a lavoura, dia e noite e sem invadir as linhas de plantio, o robô identifica a saúde das plantas e aplica fungicida, inseticida ou herbicida quando necessário.
Com a tecnologia, uma área de 200 hectares é analisada como dois mil talhões de 0,1 hectare. Isso significa que o manejo de doenças e pragas pode ser mais minucioso, cuja avaliação da incidência de invasores, sejam fungos ou insetos, é feita em cada centímetro do talhão.
O robô que integra hardware, software, câmeras, bicos de injeção e uma série de outros dispositivos sai ao custo de 50 mil dólares. “Um preço que se paga em uma safra”, afirma Crepaldi. Até o momento, a atuação principal está em soja, milho, algodão e trigo, a depender do país.
Conectado a um dispositivo de inteligência artificial chamado Alice, no estilo Alexa ou Siri, a máquina estipula a rota, faz o diagnóstico da planta e aplica o resíduo a partir de recomendações mais adequadas agronomicamente, como a velocidade do vento ou melhores horários para a pulverização das lavouras.
Fundada em 2007, em Araçatuba, interior de São Paulo, a companhia atua em mais de 12 milhões de hectares entre Brasil, Estados Unidos, Canadá e América Latina, operando em 11 países. Em território nacional, a principal cultura de atuação é a cana-de-açúcar, seguinda por grãos, fibra e culturas perenes, como citros e café.
Já em 2022, a empresa fechou o ano com faturamento da receita de 275 milhões de reais. Para 2023, Crepaldi diz que a estratégia é crescer com recursos próprios agora que já atingiram o breakeven.
No rol dos investidores da Solinfitec, que começou como uma startup, estão Lightsmith Group, Unbox Capital, Blue like an Orange, Endeavor, TPG e AgFunder.
Na Farm Progress Show, é outro brasileiro que recebe os produtores norte-americanos para falar sobre o robô.
“Enquanto os agricultores imaginam que isto está a anos luz de ser real, mostramos que os testes já acontecem aqui no Centro-Oeste, a cerca de dois quilômetros de distância da feira”, diz Guilherme Guiné, diretor de sustentabilidade da Solinftec e baseado nos Estados Unidos.
Ns Estados Unidos há cinco anos, a Solinftec rodou em campo até o momento 20 máquinas. No ano passado, primeira safra em que o produto esteve comercialmente disponível no país, o robô chegou a reduzir 97% do volume de herbicidas aplicado. A partir disso, o mercado aqueceu e até março de 2024 devem ser entregues mais 30 robôs encomendados.
“As vendas até o inverno de 2024, aqui para o Hemifério Norte, já estão esgotadas. Na feira, novos pedidos podem ser feitos, mas com entregas para 2025”, diz Guilherme Guiné.
Além disso, está previsto o investimento de cinco milhões de dólares nas unidades fabris do robô, incluindo a fábrica em Indiana, território estadunidense.
Entre Brasil e EUA, a empresa tem 40 robôs em operação. No Brasil, eles já operam em fazendas de grandes empresas do agronegócio como a Amaggi, ER, de Buritis (MG), FNE, de Cesário Lange (SP), e Schimidt Agrícola, de Luís Eduardo Magalhães (BA).
A expectativa é de 250 robôs entregues ao todo até o final de 2024.
A situação climática em que os produtores americanos se encontram também influencia no interesse percebido na Farm Progress.
Com o clima seco e a demora para o desenvolvimento no milho, seguido de chuva e altas temperaturas, a safra de grãos nos estados de Illinois e Iowa tem apresentado baixa produtividade e maior probabilidade de plantas daninhas.
Neste cenário, segundo Guiné, o robô tem sido considerado pelos produtores rurais na busca por uma alternativa ao modelo tradicional de controle das chamadas plantas invasoras — que competem por espaço, luz e nutrientes e acabam prejudicando a planta da principal cultura, como a soja.
Parabéns!